segunda-feira, 1 de abril de 2013

Impressões sobre um fim de tarde em Porto Alegre

Não sei ao certo o que me levou a escrever essas reflexões sobre a análise do vivido. Talvez tenham sido as calorosas discussões espistemológicas da aula de hoje, Velasquez e a representação da representação, as estruturas da linguagem e a impossibilidade do retorno à origem, ou talvez tenha sido o inevitável fato de que sou apenas uma menina do interior impressionada com a vida na cidade grande.

No meu percurso diário pelo caótico centro de Porto Alegre, deparei-me ontem com o protesto dos estudantes contra o aumento da passagem do ônibus. Jovens colocando seus corpos nas ruas para reivindicar pelos seus direitos. Polícia, cordão de isolamento, escudos e bastões. Ironicamente apenas segui meu caminho e subi em um ônibus lotado que particularmente nesse dia levou mais tempo para chegar ao meu destino.

No dia seguinte ao caminhar pelas ruas da cidade enfrentei um congestionamento de gente, desses mesmos que a gente enfrenta quando está dentro de um carro, só que ao caminhar na calçada. A massa de pessoas em movimento era obstruída pela instalação da Feira do Peixe, sufocada pelo odor do peixe da Feira do Peixe. O fluxo era interrompido pela música de dois gaiteiros que faziam seu show no meio da multidão, pelos índios sentados ao chão das esquinas que vendiam suas vidas, cestas e ervas de chá, por dezenas de coelhos presos em gaiolas e à venda por 29,90 que anunciavam a chegada da páscoa.

Após o longo caminho agitado que me faz refletir diaramente sobre o destino de cada pessoa apressada que esbarra em mim, sobre cada mendigo que faz sua casa embaixo dos arcos da movimentada avenida, sobre cada índio jogado nas ruas vendendo seus artesanatos para sobreviver, vivenciei, agora sim, o verdadeiro caos no centro de Porto Alegre no fim de tarde da véspera de feriado.

Ao sair de casa com destino à rodoviária, deparei-me com a ausência de táxis, com filas intermináveis nos pontos de táxi e de ônibus, com o congestionamento do trânsito, com pessoas desesperadas que assim como eu estavam a alguns quilômetros de distância da rodoviária e a poucos minutos da partida do ônibus que as levaria para desfrutarem o feriado em suas queridas cidades. O tempo passava, a fila crescia e o desespero aumentava. Movimentações solidárias começaram a acontecer em meio ao caos, negociações últimas que poderiam nos fazer chegar a tempo da partida. Minha mania de antever o futuro distante fez com que eu já me visse voltando pra casa triste e passando o final de semana sozinha em meio à solidão dos solitários na multidão da capital. Pelo celular, já avisei quem me esperava que eu não conseguiria pegar o ônibus.

Minha esperança já havia se esgotado quando um gesto repentino das pessoas estranhas da fila, que a essa altura já eram íntimas amigas que dividiam o mesmo desespero, me chamava para o táxi parado do outro lado da rua. Atravessei a agitada avenida correndo e puxando minha mala com suas rodinhas esfolando-se no asfalto. Subimos nós quatro no táxi de um habilidoso motorista. É claro que que a saga ainda não tinha terminado e a angústia estava longe de ser aliviada.O ruído que se escutava dentro do túnel que misturava motores e buzinas me deu medo. Túneis não me causam uma boa sensação desde que assisti, ainda criança, ao trágico acidente que causa a morte do personagem de Robin Willians no filme "Amor Além da Vida". 

Chegamos na rodoviária no horário da saída de nossos ônibus, minhas anônimas amigas com as quais dividi essa experiência seguiram seus destinos após uma despedida apressada. Desejamo-nos boa sorte. Após atravessar o apocalíptico cenário da rodoviária, subi no ônibus no último instante em que poderia tê-lo feito. O alívio de sentar na última poltrona vaga me causou uma sensação tão boa que tomou conta do meu ser.

Penso nas meninas e pergunto-me se conseguiram subir em seus respectivos ônibus e seguir seus destinos. Não sei ao menos os seus nomes e é provável que nunca mais nos vejamos nessa vida. Isso me causa um sentimento estranho. O ônibus parte comigo dentro dele e observo o conglomerado difuso das luzes da cidade se afastando através da janela. Nunca foi tão bom estar indo pra casa. Lembro-me da expressão que meu pai usava quando eu era criança e avistávamos tais luzes ao chegar na capital à noite: era a "nave-mãe". Despeço-me enfim da grande nave que se afasta no horizonte, e imagino-a fervilhando.