Descobri que viagens de ônibus
que levam algumas horas me proporcionam tempo e inspiração para cuspir alguns
pensamentos em forma de bits. Vou começar pelo seguinte: nesses últimos dias
(que agora que edito novamente esse texto já são outros dias) fiquei pensando
sobre uma frase que ouvi: "quando as ideias estão em nossa cabeça,
não estão em lugar algum". O pensamento precisa ganhar algum tipo de
materialidade para existir, seja em palavras, discursos, formas, imagens. Mas
qual é a forma do pensamento? E que tipo de materialidade essas palavras têm?
Essas que saem da minha boca e atingem pensamentos outros ou essas que deslizam
pelos meus dedos e vão parar em algum não-lugar do ciberespaço? Refletindo
sobre as formas que o pensamento assume, resolvi tentar retomar um hábito de me
subjetivar através da escrita. Essa que tenta colocar os fluxos de pensamento
no papel.
"Depois de uma tarde revirando pedaços de mim em meio a escritos de minha
adolescência, percebi que está mais do que na hora de me libertar dessa prisão
de ventre criativa que está me impedindo de colocar meus pensamentos no papel -
ou, nesses tempos líquidos, na tela do tablet.
'Escrevo para quem?' perguntava a Alana do passado à Alana do presente,
conectadas agora pelos papéis soltos escritos à lápis. Ela esperava que eu lhe
respondesse: para mim mesma na posteridade, mas depois de ser inundada nos
últimos dias pelos devaneios de Slavoj Zizek sobre as teorias de Jacques Lacan,
eu lhe diria que ela não escreveu para mim, mas para o Grande Outro, assim como
na ideia de Lacan de que a carta não enviada é a mais verdadeira. Se fosse para
mim, eu não precisaria escrever. A partir do momento que minhas ideias são
externalizadas no papel, o Grande Outro sabe."
E o fragmento termina aqui. O porquê do título é um mistério até mesmo para
mim. Eu queria saber agora como essa Alana do futuro do pretérito iria se
deslocar pelas palavras desde o Grande Outro Lacaniano até a teoria dos
"buracos brancos". Pelo que ficou evidente, eu só me lembro de estar
fascinada pelo livro do Zizek que acabara de ler, e de estar me perguntando
sobre o que seria o tal do "Real". Talvez esses questionamentos sobre a
constituição da realidade me acompanhem desde que assisti ao filme
"Matrix", ainda criança.
Confesso que até hoje estou perdida entre a miscelânea de referências dos
irmãos Wachowski, somadas posteriormente a teorias cósmicas sobre universos
paralelos, e mais recentemente ao labirinto das diversas teorias psicológicas
sobre a constituição do sujeito. Ao fim de tudo, continuo sem ter certeza de muita coisa. Jamais saberei a frase
seguinte que completaria o fragmento do texto, afinal, ela nunca existiu. E
onde existiu tudo o que já vivi e não foi registrado na materialidade das
palavras e das imagens? Do que é feita a memória?
Essas perguntas me remetem a uma cena do filme "Waking Life", que
retrata um diálogo entre duas mulheres que, ao reverem suas fotografias
antigas, questionam-se sobre qual é o elemento que faz com que haja uma continuidade
existencial entre o bebê que já fomos, registrado nas fotografias, e o adulto
que somos hoje, tomando o fato de que as moléculas que formam a materialidade
de nossos corpos já foram renovadas tantas e tantas vezes, fazendo com que nos
tornássemos materialmente outras pessoas, outros corpos. Mas o que é que ainda
nos conecta consigo mesmos? Julian Baggini me responde - ou em confunde - com
suas reflexões filosóficas em "The pig who wants to be eaten", sobre
a possível perda da identidade de um barco que teve todas as suas peças
substituídas, e sobre a possibilidade de não-fragmentação do eu diante de uma
máquina de teletransporte que desorganiza e organiza novamente todas as
moléculas de nossos corpos.
Algo ainda nos conecta. Mas até quando, se as ideias armazenadas nessa massa
cinzenta e mole não estão em lugar algum, e a memória não registrada nada mais
é do que um amontoado de frágeis ideias? Me lembro novamente da finitude.
Talvez seja melhor parar quando se fica muito abstrato. Sei que preciso continuar,
mas prefiro não.
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